Prefeito quer doar área milionária para empresa de Votuporanga
Projeto prevê doação “sem encargos” de área nobre da cidade onde funcionou a horta municipal
Pereira Barreto - De última hora o prefeito Arnaldo Enomoto (PSDB) apresentou à Câmara Municipal um projeto de lei que prevê a doação, sem encargos, da área onde há anos funcionou a horta municipal para uma empresa de Votuporanga, Majuca Indústria e Construção Ltda-ME. O projeto seria lido na noite do dia 16, mas a presidência da Casa entendeu por bem não lê-lo. A área a ser doada possui 16.850 metros quadrados e é uma das mais nobres da cidade, se situa entre a residência do empresário dono dos Supermercados Proença e do Lar dos Velhos e foi avaliada pela Prefeitura em R$ 1.348 milhão.
Segundo informações preliminares a doação seria destinada a construção de uma pousada “Pousada das Araras”, onde o donatário só teria o ônus de começar a construção em 6 meses e terminar em 24 meses, podendo até “ceder” a área para terceiros, desde que seu sucessor concluísse “a obra da pousada”.
O projeto de lei não informou como seria tal construção a que se obrigaria o donatário, ou seja, a aprovação não condiciona o donatário a nenhuma obra de padrões elevados. Se aprovado sob o pretexto de desenvolvimento turístico a doação pode representar enorme prejuízo ao erário já que área vale muito dinheiro e não foi realizada nenhuma licitação para a alienação da área por meio de licitação pública.
No pequeno expediente da Sessão Legislativa o vereador João Salomé se disse preocupado com a doação. Salomé citou a recente doação de um terreno que foi passado nesses mesmos moldes a um empresário para a construção de um hotel onde somente foi construído até agora um muro. “Temos que ter cautela. Não sou contra doação para o desenvolvimento turístico da cidade. O que não pode é acontecer o que aconteceu com o terreno próximo do Ginásio de Esportes onde até agora só tem um pedreiro terminando o muro lá. Nós vereadores apoiamos a doação, mas para o empresário terminar a obra no prazo só se a Andrade Gutirerrez [construtora] entrar ali [no terreno da doação] para acabar a obra no prazo”, concluiu o vereador.
Despejados
A Prefeitura já notificou os moradores do local para desocuparem a área em 30 dias. Os moradores do local estão surpresos com a medida do prefeito.
O Projeto de Lei n.º: 47, de 09 de junho de 2014, onde o mesmo estaria efetuando a doação de um terreno da Municipalidade diretamente a empresa Majuca Indústria e Construção Ltda – ME é algo de certo questionável. Além do referido imóvel encontrar-se encravado em uma das áreas mais valorizadas da cidade, a doação seria efetuada diretamente a uma microempresa cujo capital social não ultrapassa R$ 114.200,00 (De Votuporanga!!!). O ofício que encaminha o Projeto de Lei, além de não encaminhar ainda as devidas razões ou mensagem de Lei, a Prefeitura Municipal falta com a verdade, ao tentar induzir o raciocínio dos Vereadores de a área estaria localizada no distrito industrial. Não é verdade! As datas dos documentos demonstram o quão “de afogadilho” foi efetuado o projeto. O Laudo de avaliação é simplista, não trazendo sequer um croqui, um memorial descritivo ou outros documentos das quais qualquer Engenheiro Civil que trabalha no serviço público sabe ser necessário para obedecer a devida motivação.
E mais, as parcas configurações descritas no ‘suposto’ Laudo de Avaliação não correspondem, nem de longe, a verdade dos fatos, até porque lá diz que não há infraestrutura, sendo que a mesma é completa. E tal fato é notório! Não bastasse isto, pessoa do Setor de engenharia (e não uma comissão ou credenciados pelo creci???) calcula o metro quadrado em R$ 80,00 (Oitenta Reais), valor este muito aquém do valor de mercado. Basta verificar que ao lado temos a propriedade do empresário: Sr. Fernando Lopes Farinha Júnior, dono da rede de Supermercados Proença, as quais trata–se de um dos maiores empreendimentos imobiliários do Município. Portanto, além das impropriedades técnicas do Laudo, o seu conteúdo é viciado e não reflete a verdade.
Reza a Constituição Federal em seu art. 37:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
Da simples leitura, denota–se que simplesmente o Prefeito Municipal e seus asseclas deva talvez ignorar o texto da Carta Magna, até porque tal doação se demonstra absurdamente ilegal, tanto material quanto formalmente.
Do ponto de vista formal, o Projeto de Lei é eivado de inconstitucionalidade, já que destina–se a uma doação ilegal que não atende os preceitos sociais ou de interesse público.
Materialmente, no Projeto de Lei não consta a devida mensagem que patenteie o “princípio da eficiência”, ou seja, conjecturando, o Senhor Prefeito deveria comprovar dentro dos padrões de interesse social ou público que o mesmo é viável. Trata–se da aplicação do princípio da eficiência.
Nesta conjectura coloquemos 1000 (mil) hóspedes por ano a uma média de R$ 120,00 (Cem e vinte Reais) a diária. Teríamos, R$ 120.000,00 (Cento e vinte mil Reais) de faturamento ano, o que nem de longe justifica a doação de um terreno de tal valor (na verdade, quase R$ 2.000.000,00). Veja ainda, que de ISSQN o Município não arrecadaria mais de R$ 3.600,00 (Três Mil e seiscentos Reais) por ano. Portanto, chega a ser um completo abuso (!!!) a a pretensão do Sr. Prefeito, pois de forma muito simples é colocada por terra do ponto de vista do Princípio da Eficiência. O principal aspecto do Princípio da Legalidade que foi violado, não é só a ferida a Constituição, mas a própria violação ao art. 17, da Lei n.º: 8.666/93, que diz:
Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:
a) dação em pagamento;
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i;
c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;
d) investidura;
e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo;
f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;
g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição;
h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;
i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam ocupações até o limite de 15 (quinze) módulos fiscais ou 1.500ha (mil e quinhentos hectares), para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais;
A excrecência é tão grande que, de plano não encontra amparo em nenhum dos incisos ou alíneas da Lei de Licitações (Lei n.º: 8.6666/93). É desnecessário, portanto dizer, que o Projeto é eivado da mais absoluta ilegalidade, e merece a atuação sempre eficaz do Ministério Público na defesa dos rigores da Lei.
Cumpre-nos colacionar os ensinamentos do ilustre doutrinador Marçal Justen Filho:
“Ressalva-se a hipótese de doação de bem público, gravada com encargo. Assim, por exemplo, poderá ser do interesse estatal a construção de um certo edifício em determinada área. Poderá surgir como solução promover uma doação de imóvel com encargo para o donatário promover a edificação. Essa é uma hipótese em que a doação deverá ser antecedida de licitação, sob pena de infringência do princípio da isonomia. Em outras hipóteses, porém, o encargo assumirá relevância de outra natureza. A doação poderá ter em vista a situação do donatário ou sua atividade de interesse social. Nesse caso, não caberá a licitação. Assim, por exemplo, uma entidade assistencial poderá receber doação de bens gravada com determinados encargos. (…) O instrumento de doação deverá definir o encargo, o prazo de seu cumprimento e a cláusula de reversão para o patrimônio público do bem doado em caso de descumprimento. A regra aplica-se tanto aos casos de dispensa de licitação como aqueles em que a licitação ocorrer. ” (Grifo nosso) (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Editora Dialética. 9ª Edição. 2002. p. 185).
Note–se portanto, que a possibilidade aberta pela Lei deve ser amplamente justificada e justificável, precedida de concorrência (como modalidade), com finalidade certa e prever todas as condições de viabilidade (princípio da eficiência) ao Município sob pena de prejuízo ao erário.
Ademais, pelo Princípio da Legalidade, o administrador no cumprimento de seu juramento e dever oficioso, fica adstrito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, não podendo deles se desvirtuar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal. Além disto, para que o ato se revista de validade, tem, necessariamente, que se subsumir ao Direito num todo como normas e princípios constitucionais, inclusive à moralidade e à finalidade administrativa.
A “improvável” possibilidade da aberrante doação de imóveis públicos a particulares não resiste a qualquer dos princípios da administração pública sendo ato de flagrante ilegalidade, imoralidade, pessoalidade e ineficiência, digna da tirania antidemocrática que impera nestes longínquos rincões.
Ora, todo e qualquer ato emanado do Poder Público deve buscar sempre e unicamente o interesse público (que não é o interesse de um, de alguns, de um grupo ou de uma parcela da sociedade, nem mesmo só do Estado, enquanto pessoa jurídica empenhada na consecução de seus fins, mas o interesse de todos, abrangente e abstrato – “Justitia” n.º 137/51, 1987). Assim, temos ainda um flagrante de desvio de finalidade, pois nem de longe se justificaria a doação de imóvel para particular, ainda mais nestes casos, até mesmo porque o terreno seria usado exclusivamente para fins meramente privados.
Portanto, não há legalidade nem a presença de seus corolários como a razoabilidade e a finalidade. Também, não necessita de homérico esforço para notar que o direcionamento injustificado (e injustificável) da doação de um terreno de quase R$ 2.000.000,00 (Dois Milhões de Reais) diretamente a uma empresa fere diretamente princípios como: igualdade, isonomia e acima de tudo: Impessoalidade. Por sinal, o princípio da impessoalidade, nada mais é do que a conjugação da isonomia com o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal, ou seja, que este, tenha sempre um objetivo certo e inafastável: o interesse público.
Todo ato que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á à invalidação por desvio de finalidade.In casu, o princípio da impessoalidade foi achincalhado pela nítida e dolosa intenção de favorecer pessoa específica, desprezando além dos ditames do direito a finalidade que se dispõe. Assim sendo, por decorrência lógica, trata-se de ato imoral, que não atende ao bem-comum da sociedade, contrariando as regras da boa administração, o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio e justiça. Vê-se violada ainda a principiologia da Lei de Licitações que está insculpida no art. 3º, LL:
Art. 3º. A licitação destina–se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Assim, chega a causar náuseas a forma com que vem sendo tratada a coisa pública no Município de Pereira Barreto. Ademais, só o fato de direcionar, sem critérios uma ilegal doação a uma determinada empresa (que não consegue justificar o custo X benefício) já se constitui em ato consciente (dolo ou má–fé) de flagrante imoralidade. O princípio da moralidade administrativa, obriga o gestor da coisa pública, como ensina Hauriou, a distinguir entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno e, sobretudo, entre o honesto e o desonesto, devendo o ato administrativo não revestir–se somente de obediência apenas à lei, mas também à ética e a moral institucionais.
Isto que veda, que o Executivo ou o Legislativo possam, encobrir sob a roupagem diáfana à edição de leis imorais, que favoreçam determinadas pessoas e indivíduos, com desprezo aos interesses da sociedade. Por sinal, imoralidade esta que, por si só, pode, em tese, conduzir a eventual ato improbidade. Lembrando lição do Ministro Marco Aurélio, ao analisar o princípio da moralidade, “o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César” (STF – 2ª T – Rextr. nº 160.381-SP – Rel. Min. Marco Aurélio. RTJ 153/1.030).
Assim agindo, pode o Sr. Prefeito eventualmente ter ferido Princípios norteadores da Administração Pública. Agora, que a tentativa irregular de doação direcionada é um ato consciente (doloso) de tamanha gravidade e potencial lesividade ao erário público que deve ser impedida sob pena de jogarmos todos os preceitos legais e constitucionais na lama, isto é inegável e merece os olhos atentos da sociedade para apuração de eventuais responsabilidades nos termos do art. 37, § 4º, da Constituição Federal e da Lei 8.429/92.