Sábado, 20 abril 2024
 
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Artigo: Obscurantismo

Amadeu Garrido de Paula é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados

Poucos poderiam prever, quando da fundação do Partido dos Trabalhadores, que a agremiação, um dia, trilharia o caminho do obscurantismo. Considerados vários fatores: a sinceridade comovente dos operários de chão de fábrica; os jovens que sempre cultivaram - e que seja sempre assim - os ideais de justiça e humanismo - os intelectuais que se integraram a um partido viável, para veicular seus conceitos.

Isso porque o obscurantismo sempre foi algo associado ao despotismo, à opressão, dos monarcas, dos chefes da Igreja, dos senhores feudais, enfim, da denominada classe dominante. O primeiro passo do obscurantismo é manter as coisas como estão. Ou, até mesmo, voltar ao passado (pensamento reacionário). Para tanto, é-lhe indispensável matar a liberdade, a começar da autonomia dos livres pensadores, da circulação intelectual e das unidades de ensino e pesquisa.

O Poder Judiciário é, por essência, completamente distinto dos demais poderes. Não impõe sua vontade. Esta já está posta pelas outras fontes de autoridade. Com base nos princípios, que remontam a tempos imemoriais, o direito se fez ciência, aperfeiçoada ao passar dos séculos. Sua base fundamental são os valores, que, ao contrário do que a muitos podem parecer, são inatos. Todos nascem imbuídos do valor de que sua vida - e a dos demais - deve ser preservada. É um valor, como tantos outros, que são construídos ao longo do processo educacional e da vida social, o aperfeiçoamento dessa condição inata dos seres.

Ao elucubrar uma ideia na intimidade de uma boa academia de direito, alunos e professores fazem ciência. E, ao contrário de todas as demais, ciência normativa. O adjetivo a distingue das demais, que são, de início, ciência especulativa. Especula-se sobre novas descobertas. Muito tempo depois, vários testes laboratoriais realizados, equações complexas de testes de coerência, tais descobertas se transformam em novos referenciais de conduta humana. No mundo contemporâneo, as investigações científicas ganharam inusitada velocidade.

E há mais um ponto fundamental de distinção com a ciência do direito. Esta, como mencionado, fulcra-se em valores, à luz dos quais são vistos os fatos sociais e, em seguida, aplicada a uma situação não resolvida, a norma jurídica adequada. Em síntese, a ciência do direito é histórica, ao debruçar-se sobre fatos consumados; axiológica, ao valorizá-los, certamente segundo os costumes de determinada nacionalidade e a ótica individual de cada juiz; e normativa, ao aplicar a lei e tornar fato - novo, o direito - do que antes fora apresentado apenas como história.

O povo leigo não tem o direito de compelir cientistas às suas posições de interesse; do mesmo modo, nenhum governo autoritário. Essa opressão ao livre pensar não é nova, caracterizou a letargia da idade média, em que o vácuo da ausência de pensamento crítico foi substituído por uma fé irracional, para amenizar as angústias.

Durante o governo de exceção por que passamos, a ciência jurídica foi vítima preferencial. O ataque contra ela já veio exposto no corpo do Ato Institucional nº 5. A OAB, faculdades jurídicas, centros acadêmicos e, precisamente, muitos intelectuais hoje irreconhecíveis, lutaram com bravura pela independência dos juízes.

Tudo isso foi dito para expressar nossa estranheza e nossa verdadeira repugnância cultural ante o fato de o Tribunal Federal da 2a. Região - nada mais do que um corpo científico - no exercício de uma atividade vinculada aos autos e às mais amplas exposições das ideias das partes - vir a ser constrangido por grupos sociais para dizer a ciência segundo seus interesses. É possível dizer que não constrangem, apenas reivindicam, mas o mesmo não se pode dizer da pobreza mental daqueles segundo os quais a terra se move em torno do sol, porém apenas quando lhes convêm.